Eu nunca fui uma criança igual às outras, sempre me achei meio diferente das meninas que me cercavam. Elas queriam brincar de boneca e eu queria correr, pular e me sujar. Na escola, eu pegava em insetos e jogava bola com os meninos. Não era muito bem aceita pelas meninas populares, e sim pelos outros rejeitados como eu e os garotos. E eu cresci assim, achando que eu tinha que para me enturmar eu tinha que ser como elas. E eu já estava errada em pensar que eu tinha que me enturmar com alguém e que ser como as outras pessoas. Elas tinham que gostar de mim como eu sou. Eu tentei ser como elas, criança, menina ingênua, eu tentei me adequar. Me vestia como elas, brincava com elas de barbie, usava maquiagem, bijouterias e pintava a unha. Mas eu não conseguia me adequar. Enquanto elas estavam pintando a unha de rosa, eu queria pintar de roxo, azul, preto com bolinha verde. Enquanto elas usavam roupas de marca e com coisas fofinhas, eu usava roupas com caveiras e escuras e não adiantava, eu não me encaixava. Eu não pensava em namoradinhos, queria brincar e aproveitar o melhor da minha infância, mesmo sem saber disso na época. Eu só queria ser eu. Minhas amigas faziam luzes. Eu pintei o cabelo de rosa, laranja, vermelho e preto. Minhas amigas usavam lápis de olho preto, blush e rímel. Eu usava lápis azul, rímel roxo. Elas me achavam esquisita. E eu achava elas esquisitas, mas eu queria ser como elas, não sei porque, mas queria ser elas do meu jeito. Acabou que eu me tornei uma garota, uma mulher, mais feminina só que do meu jeito: rebelde, diferente, estranha até. Mas sou feliz por ser eu mesma.
Nem sei quanto tempo fiquei lá. Até hoje, não sei nem dizer se esse tempo todo passei dormindo ou sonhando acordada. Tudo acontecia lentamente e eu ainda não sabia dizer se era real. Meus movimentos milimetricamente projetados, robóticos, repetitivos me levavam a lugar nenhum. Meus pensamentos estavam lá, mas nada parecia tomar forma ou muito menos fazer sentido, aqui fora. Aquela sensação de que eu estava me vendo dormir, fora do meu corpo, me acompanhava 24 horas por dia. Eu não sentia nada, não fazia nada. Eu só estava ali, inerte, habitando um corpo vivo sem vida.
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